A prática do Zen



Fonte: O Livro de Ouro do Zen - A Sabedoria Milenar. David Scott; Tony Doubleday.


Os métodos de treinamento básico da maioria das escolas do Zen, seja a Soto ou a Rinzai, são semelhantes, embora cada uma delas dê uma ênfase diferente às diversas práticas e aos detalhes de determinadas técnicas, posturas, rituais etc.

E muito simples. As escolas Rinzai do Zen dão ênfase ao estudo do koan como prática para  a Iluminação, enquanto as escolas Soto concentram-se na prática como Iluminação e podem não usar nenhum trabalho com koan nos seus exercícios. Existem algumas escolas que utilizam métodos de ensino de ambas as tradições, Soto e Rinzai, e o mestre pode pedir ao discípulo para enfatizar uma determinada  prática, dependendo do que seja individualmente apropriado para eles. Entretanto, em todas as escolas do  Zen, o verdadeiro núcleo da prática é o Zazen (ou meditação sentada).

ZAZEN

Um lugar para sentar

Se puder,  escolha um lugar quieto, onde não seja perturbado. Mantenha-o bem limpo e, se possível, use o mesmo local toda vez que fizer o Zazen. Você pode preparar um altar colocando uma estátua de Buda ou outra figura que lhe traga inspiração, um porta-‑incenso e, talvez, um  pequenino vaso de flores, embora nenhuma dessas coisas seja essencial. A temperatura deve ser amena, isto é, aquecida no inverno e refrigerada  no verão. A luz, normal: nem escuro nem claro demais. A luz natural, quando houver, é a melhor fonte. A ideia essencial é manter a continuidade de modo que, toda vez que você entrar no recinto reservado pata o Zazen, o assento e o cheiro (se usar incenso) sejam os mesmos. Desta maneira, você começa a associar a prática do Zazen com esse ambiente e poderá acalmar-­se mais rapidamente.

Horário da Prática

É melhor praticar o Zazen em uma hora ou horas regulares, todos os dias. De manhã cedo, ao meio-dia, no final da tarde e antes de dormir são as melhores ocasiões. Se você só tem tempo para uma  sessão, deve procurar fazê-lo pela manhã. Se quiser sentar duas vezes por dia, de manhã e antes de dormir são as melhores horas. Para começar, 15 ou 20 minutos são suficientes. Depois, aumente para 30 minutos ou 1 hora, dependendo da sua situação em particular. 

Postura

Há diversas posturas que podem ser usadas, e você deverá tentar cada uma delas para descobrir qual é a que mais lhe convém. Isto não quer dizer que não deve perseverar com uma das posturas mais estáveis simplesmente porque parece, no primeiro teste, desconfortável. Paciência e prática são necessárias para conseguir uma boa postura. 
As posturas recomendadas estão  descritas aqui em ordem crescente, segundo sua estabilidade, equilíbrio e utilidade pata uma boa prática. E perfeitamente aceitável começar com a posição 1; muito poucas pessoas podem sentar na posição 5 para começar.  Em todas as posturas, o ideal é sentar de modo que o corpo esteja perfeitamente ereto e uma linha vertical possa ser traçada, partindo do centro da testa, pelo nariz,  queixo,  garganta  e  umbigo.  Consegue-se  isto,  empurrando-se  a  cintura  para a frente e o abdômen para fora. Nesta posição, o peso do corpo está  concentrado  na barriga ou no baixo abdômen. Esta área é o foco da  respiração  e  concentração  do Zazen. Os olhos devem ficar meio abertos  e focalizando, de leve, o chão, aproximadamente de 1 a 2 metros, à sua frente. Em algumas escolas do Zen, é também permitido manter os olhos fechados (desde que você não cochile!). Em geral, no Soto Zen, é recomendado sentar de frente para uma parede vazia, de modo que não haja nenhuma distração visual.

Posição das mãos

Mudra Dhyani - Um gesto de meditação e de contemplação

Descanse as mãos no colo, a mão direita sob a mão esquerda, as palmas voltadas para cima. Os polegares tocando-se nas pontas para formar uma linha paralela com os dedos. 


Postura 1 
Posição da cadeira

Esta é para pessoas que estão muito duras, por falta de exercício ou devido à idade. Sente em um banco ou cadeira que tenha uma altura que permita assentar seus pés firmemente no chão. Se você for alto, ajuste a sua altura com uma almofada firme sobre o assento ou, se for baixo, ponha uma tábua de  madeira  no chão, debaixo dos pés. As costas devem  ficar eretas, os ombros para baixo, e a cabeça mantida na posição vertical,  como se uma fina linha de algodão partisse da sua cabeça para o teto, esticando as vértebras da espinha em um alinhamento natural. 


Postura 2


Posição Seiza



Esta é a posição mais fácil para principiantes. Estique a esteira de modo que  possa sentar sobre os joelhos, pernas, dorso dos pés e nádegas. Os joelhos e as nádegas formam um triângulo. Cabeça, ombros e mãos ficam postos da mesma maneira que na posição 1.


Postura 3

Posição Birmanesa

Esta é a posição birmanesa, uma postura popular entre os seguidores ocidentais do Zen. As pernas ficam cruzadas, porém ambos os pés ficam nivelados sobre o cobertor. As nádegas ficam sobre um terço ou metade da almofada. Ambos os joelhos devem tocar o cobertor. Se não estiverem tocando, você pode ajudá-­los colocando uma pequena almofada sob o joelho (ou joelhos), para apoiar. É importante estar sentado sobre uma base firme, formada pelo triângulo dos joelhos e nádegas. Cabeça, ombros e mãos ficam iguais, como na posição 1; do contrário, será muito difícil manter as costas eretas e relaxar a respiração dentro da postura.


Posição 4

Posição do meio-lótus

Esta é a posição de meio-lótus. O pé esquerdo está sob a coxa direita, e o pé direito, sobre a coxa esquerda ou vice-­versa. Ambas as variações são igualmente boas. Esta posição é bastante difícil para o principiante, mas sustenta a parte inferior das costas melhor do que nas posições 2 e 3. Se você adotar esta postura, será importante alternar a posição das pernas cada vez; do contrário, terá a sensação de estar pendendo para um lado.


Posição 5

Posição de lótus completo

Esta é a posição de lótus completo, no qual o pé direito descansa sobre a coxa  esquerda, e o pé esquerdo,  sobre a coxa direita. O lótus é a melhor posição para sentar,  já que forma um triângulo perfeito entre os joelhos e as nádegas, apoiando firmemente a parte inferior das costas e produzindo grande estabilidade. Infelizmente, lótus é também a mais difícil de realizar e, geralmente, está fora do alcance do principiante e, mesmo, de muitos estudantes maduros. Não se preocupe se não conseguir "fazer um lótus" - a maioria de nós está na mesma situação.

Roupas e Equipamento

Roupa folgada é essencial para permitir-­lhe sentar e respirar livremente. Recomenda-se o uso de roupa escura, preta de preferência, principalmente se você sentar com um grupo do Zen. Cores claras podem atrapalhar a concentração dos outros. Sejam quais forem as roupas que você usar, elas devem ser limpas e leves.

Você precisa de uma almofada firme, que deverá ser colocada sobre um cobertor plano, se o chão for duro ou, se não, diretamente no carpete. Nos mosteiros Zen, os grupos de monges e de pessoas leigas que sentam, em geral, usam uma almofada redonda, preta, pequena,  chamada zafu, que é colocada sobre uma esteira preta chamada zabuton (que tem cerca de 1 metro quadrado).

Os zafus têm, aproximadamente, 38 centímetros de diâmetro e entre 5 e 10 centímetros de espessura. São normalmente ensacadas com paina. Algumas pessoas  usam dois zafus ou fazem um mais alto, colocando outra almofada ou um cobertor dobrado embaixo dele.

Zafu e zabuton

Contar a Respiração

Depois de nos colocarmos numa boa postura, nossa primeira prática para ajudar a concentrar a atenção é começar a contar a respiração. Para começar a fazer o seu exercício, pode contar ao inspirar e ao expirar. Assim, quando inalar conte um e, ao exalar, conte dois. A contagem deve ser inaudível. Não tente controlar a respiração. Deixe-­a seguir o seu ritmo. À medida que você conta,  inevitavelmente ocorrerá um pensamento ou outro. Se você se distrair com ele, nem sempre  perceberá de pronto que foi apanhado. Tão logo veja que parou de contar a respiração, comece  novamente do um... Se conseguir contar até dez, sem  que um  pensamento interfira, volte para o um e comece novamente. Faça o mesmo, se achar que contou além de dez. Não se surpreenda se precisar de muita  prática para controlar sua mente, a fim de se concentrar somente na sua  respiração.

Apenas observe-­a e conte-­a, à medida que vem e vai. Depois de uma certa prática, você poderá começar a contar somente a expiração (ou inspiração).

A maior parte de nós ficará muitas semanas ou meses para realmente conseguir contar até dez sem que um pensamento nos distraia. Isto é muito natural, uma vez que estamos desenvolvendo nossa capacidade de ficar apenas completamente presente no momento. Aos poucos, vamos aprender a ficar simplesmente sentados, durante períodos cada vez mais longos, mas, para a maioria, o sentimento de não ter nada para fazer é o mais desconfortável e a mente tentará preencher o abismo com uma variedade surpreendente de pensamentos.
Não veja esta prática de contar respirações como alguma coisa fácil e da qual deseja  sair rapidamente. Sentar no Zazen e contar respirações é uma  prática completa e merece nossa total atenção, se não quisermos perder nosso tempo sobre a almofada.

Pensamentos que Surgem no Zazen

Sempre que praticarmos o Zazen, vamos perceber  pensamentos cruzarem a mente. Isto é normal e inevitável. A técnica para lidar com eles é simplesmente apenas observados, deixados passar e, depois, voltar para a respiração. 

Não fique tentado a se agarrar a eles, pois outros surgirão fazendo com que você se afaste do seu objetivo, achando que poderia ter dedicado seu tempo a outra coisa que  não o Zazen. Da mesma forma, não procure reprimir os pensamentos, o que, de qualquer maneira, é quase impossível. Observe-­os sem julgamento e deixe-os passar como nuvens no céu. Devemos também evitar ter pensamentos e imagens propositados. Necessitamos deixar cair todo o entulho sobre o significado da vida, trabalho, família,  política, o homem ou a mulher sexy que está na almofada em frente, se o Roshi ou o instrutor é bom ou mau, o quanto nossos joelhos estão doendo, ou o que quer que seja,  e simplesmente estar ali, sentado no Zazen e contar as respirações.

O mestre Dogen disse, em seu tratado  Shobogenzo: "O Zazen feito por um principiante  é também a experiência global da verdade elementar."

Outro mestre Zen disse: "Quando estamos no Zazen, sentamos absolutamente nas mesmas condições  de corpo  e mente de Gautama Buda e, neste sentido, não há diferença entre homens experientes e principiantes, nesta condição."

E, outra vez, Dogen: "...aqui não existe absolutamente a questão de ser inteligente ou burro, nem há diferença entre  o perspicaz  e o estúpido. Se você se esforça com um único propósito (no Zazen), isto é praticar o Caminho. Prática e realização não deixam nenhum traço de impureza, e a pessoa que avança no Caminho é uma pessoa normal."

Kinhin

Numa sessão formal de Zazen, o tempo é normalmente dividido em períodos iguais, que ficam entre 20 e 50 minutos, intercalados por períodos de kinhin (de 5 minutos ou um   pouquinho   mais). O  kinhin permite a você movimentar-se para sacudir a sonolência ou fazer uma pausa na posição do Zazen (uma oportunidade para curar a dormência nas pernas), enquanto mantém uma boa postura, ainda respirando e concentrando-se na percepção. Se o Zazen for visto como a maneira de Buda sentar-­se, então o kinhin deve ser visto como a maneira de Buda andar.

A posição das mãos para o kinhin é a seguinte. Coloque o polegar da mão esquerda no meio da palma e cerre o punho em torno dele. Vire essa mão para o seu peito ou, como em algumas escolas, para baixo, à frente do peito. Cubra a mão esquerda com a palma da mão direita (veja o diagrama na página seguinte). Mantenha os cotovelos afastados do corpo. Se os cotovelos começarem a descansar levemente sobre o corpo, isto é aceitável. Agora, endireite a postura do corpo, como no Zazen, e certifique-­se de que o queixo está recolhido e o pescoço, ereto. A linha de visão deve estar a dois metros à sua frente. Ande agora calmamente, começando com o pé direito. Dê um passo do comprimento  da  metade  do  pé  e, depois, outro passo com o pé esquerdo do  comprimento da metade do pé.  Cada  passo é cronometrado para durar uma respiração completa, isto é, uma inalação e uma expiração. Se você achar trabalhoso coordenar a respiração com o andar, simplesmente relaxe, concentre-se apenas em manter uma boa postura e permita que a respiração tome conta dela mesma. Lentamente, você desenvolverá um ritmo entre os passos e a respiração. Se, enquanto faz o kinhin, encontrar uma parede, vire para a direita, em ângulo reto e mantenha o passo.



Estudo do Zazen e do Koan

O Roshi Mumon Yamada disse:

A meditação Zazen é o caminho mais direto para a verdade do Budismo. Em vez de perambular em pensamento, você deve sentar com todo o seu ser, esquecendo todas as buscas intelectuais. Foi  dito:  "Deixe  a  mente  concentrar-­se  em  silêncio  e  ficar  sem  movimento como o Monte Sumeru." Se praticar o Zazen desta maneira, você já está no mundo de Buda, embora entre os seres sencientes. Chama-­se isto de ʺentrada direta no palco de Buda com um saltoʺ. Você tem de saltar no mundo de Buda de repente. E por isso que o Zen Budismo é chamado de "ensino da consciência súbitaʺ e, para este fim, necessitamos do Zazen.
A existência de Buda não existe separada dos seres sencientes que vivem na ilusão. Neste exato momento, abra caminho através de sua mente iludida e você será Buda, agora mesmo, do jeito que  você é. Tem de cortar a consciência dualista com o pensamento do iluminado e não-iluminado, bem na sua raiz. Fazendo isto, você se torna Buda.
A fim de cortar essa consciência dualista, a força de samadi (concentração) é muito necessária. No Zen, para fortalecer este poder de samadi e abrir caminho, usamos os koans. O koan é um episódio da experiência verdadeira de uma pessoa que rompeu caminho. Esse episódio cria uma possibilidade para você se tornar um com o koan e fortalecer o seu poder de samadi. Fortalecendo o seu poder de samadi e cortando toda a consciência dualista, você pode ir além da consciência dualista e experimentar o mesmo rompimento que esses episódios expressam. Assim fazendo, todo o mundo experimenta o mesmo rompimento que esses episódios expressam. Assim fazendo, todo o mundo é um Bodhisattva.

O sistema de koans é um método de ensino tradicional e  inigualável utilizado pela escola Rinzai do Zen Budismo. O koan deriva de encontros reais, comumente (mas não sempre) entre mestres Zen realizados e seus discípulos. Gerações sucessivas de mestres têm relatado esses encontros para seus discípulos  a fim  de  ilustrar princípios  do Zen  em particular. Questões e problemas muitas vezes paradoxais, ilustrados por cada história, foram apresentados para os discípulos para encorajá-os e  testá-­los em seu próprio treinamento. Com o passar do tempo, os encontros e os problemas a ele relacionados foram formalizados e sistematizados nas coleções de koans, como o Mumonkan, o Hekiganroku, o Tetteki Tosui e Shoyoroku.

O sistema de koans permite ao mestre testar o conhecimento que o discípulo tem do Zen individualmente, não intelectualmente, mas como se aplica à própria vida do discípulo. Agindo como um  foco ou catalisador pata o discípulo,  irá confrontá‑lo com um desafio, cuja solução se tornará de uma extraordinária importância pessoal e o esclarecerá na sua maneira de entender o Zen.

Hakuin (1686-­1769) disse: Se você se dedicar ao estudo de um koan e investigá‑lo sem cessar, seus pensamentos morrerão e as exigências do seu ego serão destruídas. É como se um imenso abismo se abrisse à sua frente, sem nenhum lugar para você colocar as mãos nem os pés. E então, subitamente, você é um como o koan, corpo e mente se caem fora... Isto é conhecido como ver dentro da sua própria natureza. Você deve esforçar‑se incansavelmente e, com a ajuda dessa grande concentração, penetrará, sem fracassar, na fonte infinita da sua própria natureza.

Vista em termos maquinais, a realização que surge da solução de um koan varia num vislumbre do verdadeiro Self (como uma exposição fracionada à luz que é possível por meio do obtutadot de uma máquina fotográfica) para  o próprio Dai Kensho. Porém, isto é uma tentativa. É comum a realização através do estudo do koan amadurecer com o decorrer do tempo e, quer o mestre faça o discípulo  trabalhar muitos koans ou apenas um, nenhum pode ser penetrado exaustivamente. De fato, qualquer experiência no estudo do koan que seja encarada como "realização", ou de certa maneira  definitiva,  geralmente torna‑se  uma  lembrança  através  da  qual  a  mente discriminadora julgará e teta acesso a toda experiência presente e futura. A realização torna‑se, então, um fardo sem vida, impedindo o  discípulo de investigar  cada momento do mistério da vida com uma mente aberta.

O estudo genuíno do koan só será realmente possível sob a orientação de um mestre que tenha, ele próprio, completado o mesmo treinamento. O estudo e escolha indiscriminada do koan, sem a presença de um mestre, tem grande probabilidade de o possível discípulo ficar satisfeito com uma solução muito superficial,  senão conceitual. Por exemplo, lendo o koan: "Qual era sua Face Original antes de seus pais nascerem?" Muitas pessoas acham que devem tentar imaginar como se sentiam antes de nascerem  e começam a fazer todos os tipos de visualização e fantasias, numa tentativa de relembrar aquela experiência. A não ser que esteja treinando com um mestre, o erro deste tipo de abordagem não será esclarecido.
Para apreciar um koan, o discípulo deve, realmente, viver com ele ou, como disse Hakuin, "tornar‑se  um  com  ele". Logo no início, isto pode parecer artificial, porém, com prática determinada e diante de repetidos fracassos na entrevista formal com o mestre, o discípulo começa a enfatizar o problema que o koan representa. Ele revela novas e diferentes perspectivas na prática do Zen, aprofundando e esclarecendo a compreensão do discípulo no processo.

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