Origens e História do Zen
Fonte: O Livro de Ouro do Zen - A Sabedoria Milenar. David Scott; Tony Doubleday.
Zen japonês, com sua ênfase sobre a prática do Zazen, estudo do Koan e a realização do Satori, tem suas origens na China. Aqui, os primeiros mestres Zen ensinaram e os primeiros mosteiros reconhecidamente Zen foram fundados. Entretanto, as raízes mais profundas do Zen encontram-se na Índia, onde o Sidarta Gautama nasceu, alcançou a Iluminação e fundou a religião budista. A história da sua vida desperta um interesse mais do que histórico, já que, para os seguidores do Zen, ele é o modelo supremo de alguém que seguiu o Caminho até o fim e realizou a Iluminação perfeita. Buda (palavra sânscrita que significa O Desperto) não é uma figura abstrata do passado, mas um homem com o qual um mestre Zen pode sentir um relacionamento pessoal na consciência de suas lutas compartilhadas. O seguidor do Zen acredita que cada um de nós tem o potencial para alcançar o despertar total e que o caminho de Buda não está reservado para uns poucos escolhidos, mas definitivamente aberto para todos.
Existem tantas formulações do ensinamento de Buda (o "Dharma") quantas são as escolas do Budismo. A escola do Zen afirma transmitir a verdadeira essência do Dharma, sem apoiar-se nas palavras e letras da doutrina. Isto não quer dizer que o Zen ignore o Budismo canônico, mas, muito pelo contrário, os mestres Zen consideram mais importante manifestar a essência do Budismo do que meramente falar sobre ele. Foi assim que Huineng (638-713), o Sexto Patriarca do Zen chinês, embora analfabeto e, portanto, incapaz de estudar os Sutras, pôde explicá-los, na íntegra, para quem se dedicasse a ler as passagens para ele.
Certa vez, Huineng disse: "Não deixe o Sutra derrubá-lo; derrube-o você."
Os ensinamentos de Buda eram pragmáticos, diretos e adaptados às necessidades de seus ouvintes. Ele nunca perdeu de vista os abismos profundos da confusão, nos quais a maior parte da humanidade está mergulhada, e estava pronto para usar todos os modos de ensinamentos proveitosos para ajudar seus seguidores em seus equívocos e dificuldades.
Buda desenvolveu muitos métodos táticos para levar as pessoas a abandonarem os apegos das suas mentes discriminadoras (que ele via como a fonte dos problemas). Explicou por que agia desta forma, através da parábola da casa em chamas:
Em uma cidade de um determinado país, havia um grande ancião, cuja casa era enorme, mas só tinha uma porta estreita.
Esta casa estava muito estragada e, um dia, de repente, irrompeu um grande incêndio que rapidamente começou a se alastrar. Dentro da casa estavam muitas crianças, e o ancião começou a implorar para que saíssem. Mas todas estavam absortas nas suas brincadeiras e, embora tudo levasse a crer que iriam morrer queimadas, elas não prestaram a menor atenção ao que o ancião dizia e não mostravam pressa de sair.
O ancião pensou um momento. Como era muito forte, poderia colocar todas dentro de um caixote e tirá-las rapidamente. Mas, depois, viu que, se o fizesse, algumas poderiam cair e se queimar. Por isso, resolveu alertá-las sobre os horrores do incêndio, para que saíssem por sua livre e espontânea vontade.
Aos gritos, pediu que fugissem imediatamente, porém as crianças deram uma olhada e não tomaram conhecimento.
O grande ancião lembrou-se que todas as crianças queriam carroças de brinquedo e, assim, chamou-as dizendo que viessem depressa ver as carroças de bodes, veados e bois que tinham chegado.
Ao ouvirem isto, as crianças finalmente prestaram atenção e caíram umas sobre as outras, na ânsia de saírem, fugindo, desta maneira, da casa em chamas.
O ancião ficou aliviado por terem escapado ilesas do perigo, e, quando elas começaram a perguntar pelas carroças, deu a cada uma não aquelas simples que elas queriam, porém carroças magnificamente decoradas com objetos preciosos, puxadas por grandes novilhos brancos.
O simbolismo desta história talvez esteja bastante óbvio. O ancião é Buda, a casa em chamas é a natureza da existência que Buda chamou de "Dukka" (isto é, incapaz de dar uma satisfação duradoura, porque, em todos os aspectos, é inconsistente e transitória). As crianças são a humanidade e suas brincadeiras representam as diversões mundanas com as quais estamos tão ocupados que, muito embora estejamos vagamente conscientes da vida e do verdadeiro Self, não prestamos atenção nisto. As carroças de bode, veado e boi são os métodos de ensino temporários, na realidade, o "chamariz", através do qual Buda pode nos fazer escutar e começar a praticar o Dharma, e as carroças magníficas, puxadas por grandes novilhos brancos, representam a própria Iluminação, para a qual Buda só nos conduzirá se tiver nossa cooperação e entrega.
O espírito da história toda do Dharma de Buda talvez esteja resumido nesta história. Ela foi sdaptada e difundida por meio de todos os seus grandes sucessores do Dharma. Demonstra também a natureza provisional daquilo que Buda ensinou, associando seu ensinamento a um remo, que é útil enquanto a pessoa está atravessando a água, mas que poderá ser abandonado depois. É por isso que, na tradição Zen, o Dharma foi chamado de o dedo que aponta para a lua.
A partir de Shakyamuni, a essência da Iluminação de Buda foi transmitida, ao todo, através de 28 gerações de mestres Dhyana da Índia, até Bodhidharma, no século sexto da era cristã. Sidharta Gautama, na verdade, tornou‑se um herói que conquistou o mundo, mas não exatamente da maneira que seu pai planejara.
CH'AN (OU ZEN) NA CHINA
Mais ou menos no ano 520, Bodhidharma cruzou o Oceano Índico, indo para a China. Sua chegada às terras do Imperador Amarelo marcou o início do Ch'an e ele tornou‑se o primeiro Patriarca Chinês.
Os mestres de Dhyana rapidamente descobriram que os chineses tinham um sistema contemplativo próprio, nos ensinamentos de Lao-tsu e de Ch'ung-tsu (o qual se chama coletivamente de Taoísmo). A maneira simples de viver em harmonia com a vida, associada ao Taoísmo, está resumida no princípio "Wu-wei", que significa "não‑fazer" ou "não‑esforço" (no sentido de seguir as ilusões da mente). O texto clássico do Taoísmo, o Tao Te Ching, começa assim:
O Tao que pode ser contado não é o Tao eterno.
O nome que pode ser especificado não é o nome eterno.
O que não tem nome é o eternamente real. Dar nomes é a origem de todas as coisas pessoais.
Livre do desejo, você compreende o mistério. Apanhado em desejo, só vê as manifestações.
Embora mistério e manifestações surjam da mesma fonte. Esta fonte chama-se escuridão. Escuridão dentro da escuridão. A porta de todo o entendimento.
As similaridades com o Budismo Dhyana eram marcantes e, mais tarde, Ch'an é impregnado pela influência do Taoísmo que, assim, deu a Ch'an seu sabor distinto.
Depois do Quarto Patriarca, Tao‑hsin, os mestres do Ch'an começaram a construir e fundar mosteiros para treinamento e, quando chegou a época do Quinto, Hung‑jen (601‑674), já havia mil monges estudando na mesma área.
O SEXTO PATRIARCA
Um dos discípulos do mosteiro de Hung-jen era um camponês analfabeto que, depois, se tornou o Sexto Patriarca. Seu nome era Hui‑neng e, ao lado de Bodhidharma e Shakyamuni, é talvez o mestre mais renomado na história do Zen.
No relato biográfico de sua vida, o Sutra da Declaração de Princípios do Sexto Patriarca conta como chegou até Hung‑jen, depois de ter ficado todo iluminado ao escutar, por acaso, um monge ler o Sutra do Diamante. Hung‑jen, percebendo a sua Iluminação, colocou-o para trabalhar na cozinha, pois não queria criar uma situação embaraçosa para os monges mais velhos. Passaram‑se oito meses até que Hung-jen chamou todos os monges para uma reunião e anunciou que, se algum deles pudesse compor uma poesia explicando a essência do Zen, lhe seria dada a "transmissão", e receberia o manto e a tigela do Sexto Patriarca.
O favorito para o título era o monge-chefe, Shen-hsin. Ele escreveu o verso a seguir, sem assinar, na parede do mosteiro, tarde da noite.
Nosso corpo é a árvore-Bodi
Nossa mente, um espelho brilhante.
Cuidadosamente nós os limpamos minuto a minuto
E não deixamos nenhuma poeira ali pousar.
Os outros monges ficaram maravilhados e decidiram que não poderia haver nada melhor. Entretanto, Hui‑neng, passando pelo corredor, perguntou pelo verso que seria lido para ele (ele não sabia do teste de Hung-jen), e ditou seu próprio poema:
A árvore-Bodi não existe
Nem sequer um espelho brilhante.
Já que tudo é vazio
Onde pode a poeira pousar?
Todos ficaram surpresos, e o mestre, reconhecendo que este era o trabalho de alguém que verdadeiramente entendeu a essência da mente, apagou-‑o, temendo que pudesse expor Hui-neng à indignação dos monges com ciúmes, por lealdade a Shen‑hsui.
Hui-neng tinha sido convocado para ver o mestre naquela mesma noite. Ele tinha recebido o manto e a tigela (que se dizia terem pertencido a Bodhidharma), e tinha sido avisado para seguir para o sul. Durante quinze anos, Hui‑neng ficou no anonimato até decidir que já era a hora certa de revelar que ele era o Sexto Patriarca. A escola do Zen, por ele fundada, passou a ser conhecida como Escola do Sudeste, e a de Shen-hsui — que aos poucos iria desaparecer —, como Escola do Nordeste.
Tal era a genialidade de Hui-neng que, com grande capacidade, transmitiu o Dharma para 43 sucessores! Daí em diante, apareceram muitas linhas diferentes de transmissão do Zen, sendo que essa foi a semente pata o desenvolvimento das duas principais seitas Zen no Japão: a Soto e a Rinzai.
LIN-CHI (RINZAI, MORTO EM 866)
Este é o mestre do Ch'an, cujo nome, em japonês, é usado para designar uma das duas maiores seitas Zen. Lin‑chi ficou famoso pela maneira rude e franca com que tratava os discípulos para despertar suas mentes. Era bem capaz de bater no inquiridor para cortar os padrões de pensamento condicionado e permitir que a mente se abrisse para sua verdadeira natureza.
A Dinastia T'ang (620-906) foi a Idade de Ouro do Zen na China. Ela produziu grandes mestres, como Joshu (778-897) e Nansen (748-834), e as histórias e casos desses mestres foram reunidas em coleções como a Mumokan, Hekiganroku, Shoyoroku e Tetteki Tosui, e estudadas pelos discípu¬los do Zen até os dias de hoje. Um dos maiores professores e que gozou de maior influência, nessa época, foi Lin-chi.
Este é o mestre do Ch'an, cujo nome, em japonês, é usado para designar uma das duas maiores seitas Zen. Lin‑chi ficou famoso pela maneira rude e franca com que tratava os discípulos para despertar suas mentes. Era bem capaz de bater no inquiridor para cortar os padrões de pensamento condicionado e permitir que a mente se abrisse para sua verdadeira natureza.
A Dinastia T'ang (620-906) foi a Idade de Ouro do Zen na China. Ela produziu grandes mestres, como Joshu (778-897) e Nansen (748-834), e as histórias e casos desses mestres foram reunidas em coleções como a Mumokan, Hekiganroku, Shoyoroku e Tetteki Tosui, e estudadas pelos discípu¬los do Zen até os dias de hoje. Um dos maiores professores e que gozou de maior influência, nessa época, foi Lin-chi.
O ZEN CHEGA AO JAPÃO
Antes de serem transmitidas para o Japão, as duas maiores escolas dominantes do Ch'an, na China, eram a que traçou sua linhagem a partir do sexto Patriarca até Lin-chi e a que traçou sua linhagem revendo Ts'ao‑shan Pen-chi e Tung-shan Lian-chieh, então conhecida como Escola de Ts'ao-tung, na China. No Japão, essas duas escolas ficaram conhecidas como Rinzai e Soto, respectivamente.
A Rinzai foi introduzida, primeiramente, no Japão, por Eisai (1141-1215), e a Soto, por Eihei Dogen Kigen.
Em 1184, Eisai construiu o primeiro tempo do Zen no Japão. Chama-se Shofuku‑ji e até hoje existe. Mais tarde, mudou-se para a capital Imperial, Kyoto, onde a Escola Rinzai tomou-se firmemente estabelecida.
Entre os séculos XII e XIV, o Rinzai Zen passou a ser muito popular na classe dos samurais que dominava o Japão. Os samurais valorizaram a imediata praticabilidade do treinamento, que era adaptado para satisfazer as necessidades urgentes daqueles anos de turbulência. A coragem e a determinação dos guerreiros fizeram deles discípulos particularmente fortes. Abriram‑se templos do Rinzai em Kamakura, a capital militar, e o sistema nativo do "Guerreiro Zen", com seu koan próprio, começou a se expandir. Nesse meio tempo, o Soto Zen desenvolveu-se independentemente da agitação política da capital.
Dogen nasceu em 1200. Seu pai morreu quando ele tinha dois anos, e sua mãe faleceu cinco anos depois. Com a idade de treze anos foi viver com um tio, um devoto do Budismo. A perda de seus pais e o incentivo de seu tio confirmaram a decisão do Dogen de tornar-se monge. Alguns anos mais tarde, foi para o mosteiro de Kenninjo. Durante o tempo que ficou em Kenninjo, Dogen completou seu treinamento na tradição Rinzai e recebeu o "Inka", o selo de mestre. Apesar disso, não tinha resolvido satisfatoriamente seu dilema básico quanto ao significado da vida. Suas dúvidas levaram-no a empreender uma viagem arriscada, para a China, em 1223. Uma vez lá, estudou com o Mestre Ju-ching no mosteiro de T'ien-T'ung. Tudo leva a crer que o treinamento foi duro e, no início, não teve uma vida fácil.
Após transcender sua mente, Dogen voltou para o Japão, em 1227, levando cópias de certos textos importantes do Soto Zen, muito embora tenha dito que regressou de "mãos vazias". A essência fundamental do Zen, que ele agora ensinava, era que a prática ou atividade do dia‐a-dia é a expressão da própria Iluminação. Por este motivo, começou a dar grande ênfase aos detalhes da atividade cotidiana, e encarou cada momento como uma oportunidade de expressar a gratidão pela natureza de Buda. Ganhou a reputação de se submeter a uma disciplina severa e de fazer críticas abertas às outras seitas budistas, inclusive ao Rinzai.
Em 1236, Dogen fundou seu próprio templo, e sua fama de mestre começou a se espalhar. Hoje, ele é reverenciado como um dos maiores gênios religiosos do Japão. Dogen não tinha nada em comum com as lutas do poder aristocrático e militar do seu tempo e isto, combinado com sua insistência em afirmar que mulheres e homens eram igualmente capazes de realizar o Caminho de Buda, fez do Soto uma tradição realmente sem classes.
Foge ao escopo deste livro fornecer uma pesquisa detalhada dos ensinamentos do Dogen; todavia, deve-se mencionar que seu impacto sobre o Zen japonês foi incomensurável e nenhum discípulo bem-intencionado poderá desprezar sua obra.
Não estaremos exagerando se dissermos que, após a introdução do Soto e do Rinzai no Japão, como escolas separadas, elas se desenvolveram e floresceram independentes uma da outra por quase 700 anos. Durante todos estes anos, uma escola tem criticado a outra, e cada uma pode estar certa dentro de sua própria perspectiva. Os praticantes do Rinzai criticam seus congêneres do Soto por subestimarem a realização do Satori, e os últimos criticam os primeiros por não considerarem que a prática diária do Caminho não é nada mais do que realizar a Iluminação.
É preciso que alguém tenha a capacidade do próprio Dogen para obter a aprovação de mestre em uma tradição, e ainda reconhecer que existe algo a ser aprendido com a outra. Entretanto, foi precisamente isto que o Roshi Daiun Sogaku Harada (1872-1963) fez. O Roshi Yasutani, seu sucessor do Dharma, disse a respeito dele:
"Embora ele próprio fosse da seita Soto, não conseguiu encontrar um mestre verdadeiramente realizado naquele seita e, portanto, submeteu‑se ao treinamento no Shogen-ji e, depois, no Nansenji, dois mosteiros Rinzai. Em Nansen-ji, finalmente, apoderou‑se do segredo mais profundo do Zen, sob a orientação do Roshi Doku-tan, um eminente mestre."
Em consequência, os sucessores do Dharma do Roshi Harada usaram ambos os métodos de ensino, Soto e Rinzai, e argumentaram que assim procediam de uma maneira inovadora, tradicional e flexível.
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